Em outros tempos, quem sabe os termos e procedimentos fossem inteiramente adotados com formatos diferentes das circunstâncias atuais, amenizando os ânimos. Naquele tempo atípico, sem expectativas, onde, tudo destoou das perspectivas, queria coisas simples, coisas de quem vive com o básico do amor, amor materno, amor fraterno, um colo para ninar.
Tudo, tudo mesmo apontava na direção de se estar perdida, indisponível dentro daquele pequeno universo cheio de alegria, alegria transmitida em ondas de amor, redesenhando a simples redoma de vidro, definiria quase tudo. Haveria algo conspirando nas entrelinhas astrais, forçando meus pensamentos e atitudes na direção de um abismo silencioso? Ah, o invisível que se deixa perceber através das ondas de energias! Alguma coisa conspirando nos submundos, com certeza lançando energias negativas, ou conspirando para que uma nova guerra fosse lançada no meu mundo!
_Entenderam como me sinto flutuando nas lacunas das emoções, não! Não, não acredito em distorções de tempo, mesmo que breves equívocos sejam lançados sob termos obscuros, ainda assim, têm explicações aceitáveis, ainda que, sejam distorções ou avarias ou uma insinuação ao desconhecido, quem é que se importa com a cor de suas unhas! Se acontecer de um lado, também deve acontecer do outro lado, ou deveria acontecer. Danem-se todos. Que tudo se dane! Se meus cálculos estiverem certos, as flores do banheiro estarão mortas em breve e eu encontrarei um mundo repleto de luz.
Pode ser qualquer coisa, um sorriso incerto ou uma faca cega escondida na cintura. Acontecimentos que nem os deuses mais espertos estariam sabendo quebrar, minha mãe não acredita em outros deuses. E eu, sem conhecimento, sem malícia para achar respostas, vago com a imaginação fervente e de mãos vazias sob coloridas copas e sombras oferecidas pelos dias que ninguém percebe ou nota pois estão ocupados com alguma preocupação e eu olhando de ângulo diferente vejo vários deuses correndo por entre as árvores e se escondendo nas sombras. Adoro observar as nuvens refletidas nas águas do rio manso e a viajarem acompanhando os pássaros pelo céu azulado. Com olhos de outros bichos a conversarem dentro das folhas coloridas e que transferem as dúvidas da floresta por osmose para dentro das células de meu corpo. Sem ter nada para contar, na boca aberta ruminando dúvidas que pairam rente às nuvens que imagino serem outras celebridades que só se veem na televisão, e a cada nuvem ressurgindo do espelho azulado e a cada nuvem desaparecendo sobre as enormes copas, onde, nada se conta, mas, a mais bela das cenas me deixa envolvida nas perplexidades que bagunça os meus rotineiros dias, de resto é só estórias.
Que quantidade de nuvens já passou por sobre esse rio num único dia? O que acontecerá sobre minha cabeceira ainda que localize a árvore perfeita no espaçoso jardim? Existirão árvores tão perfeitas no paraíso, perfeitas como são as migalhas de esperança se desviando das sombras reservadas para minha extravagante natureza virginal para ninguém saber! Mesmo quando a calmaria tenta se aproximar, a mente ansiosa cria gratuitamente outros entraves que solicitam coisas diversas para atrapalhar a mensagem da linda paisagem.
Contudo, é difícil permanecer abatido em ambientes bonitos como essa pintura em margem caudalosa, límpida, recortando o parque enfeitado por árvores floridas, coqueiros altos, que com facilidade alcançam os raios solares, tocam o cume, nos rastros das nuvens, sempre há um recado em formato de figuras ou em forma de algodão doce e o gramado se assemelha aos tapetes, finos tapetes por ter a altura e cuidado sempre preservado.
Essa lembrança afixada aos calendários coloridos é a conformação que me sustenta à margem de uma mente tempestuosa e bem longe do começo. Que começo! Onde tudo poderia ter sido diferente, sim, se fosse diferente na primeira hora que diferença faria no roteiro da estória? Durante o trajeto, a imaginação em um pequeno momento poderia ter amenizado o caminho louco das crises diárias e em seguida, fingindo não ter lido a frase no paralama do caminhão, frases coalhadas de barreiras e amarguras que deixei no primeiro olhar da cara dele e nas camas e nos quartos ignorando as bocas flexíveis e olhos despojados enquanto os dedos desabotoam a roupa surrada.
Registrei imagens e lembranças únicas com outros olhos, olhos de uma menina que acabara de sair da meninice e entrando na fase de ser mulher…, os olhos quase saindo do rosto inocentemente, atormentado por notícias de telefones sem almas! Sim! Olhos de bicho, que compartilhei no horário de partida, que renunciei durante o seu abraço com a mesma fervura que dividi com a interferência de forças embrulhadas na alma ilimitada de um pássaro com as asas cortadas.
Os olhos dos bichos são diferenciados, como são diferenciados os pássaros canoros melodiando a paisagem para que os abutres sobrevoem as carnes largadas no chão seco. Ser o sustento do abutre pintado em pele macia e analisando do alto, em voo panorâmico, as felicidades de cada ser!
_Como poderia ser diferente? Pode ser diferente do que ocorre? E se fosse diferente? O que alteraria? Se a mente repartida traduzisse a conivência do encanto, deixando-me a deriva dentro de álbuns presos em caixas de sapatos! Como poderia ser diferente?
Um animal deixado pelos princípios em estrada deserta sentindo o perfume do predador!
_A contragosto não pensei no que queria fazer com um desejo declarado. Como se pode vir ao mundo tal qual um animal, misturado no imprevisto de um custoso enredo de novela mexicana, lavrado por fatores, atores e consequências de um tempo sem reconhecimentos, mas eu não quis me explicar e fiquei quieto! Abandonado ao longo do período se fechando em casa de apostas, e, passagem entreaberta e sombreada por luzes dançantes bulindo com a escuridão desavergonhada aconteceu no último dia, dado à aversão que lhe causa a luz natural, porque tudo é encoberto por uma bandinha que força todos a cumprirem metas insignificantes. De repente, eu também queria isso como desculpa para chegar assim!
Sob a ponte assobiante, rangendo as armações oxidadas, que desdenham das silhuetas passando sobre o cimento opaco e úmido pelos dias que encharcam a todos e entravando as articulações oprimidas pelo reumatismo e fazendo com que o encolhimento fosse entre as opções, a melhor.
_Olhei, e olhei outra vez as figuras, o que lhes restam agora, é a posição fetal; alguns no frio chão, outros sobre papelões, outros sobre velhos e finos colchões, regridem involuntariamente aos dias dentro e no aconchego do ventre das amáveis mães. Sob e no entorno dessa ponte, imperceptível aos olhos comuns. Quando cheguei e enxerguei tudo que se esconde dos olhos comuns chorei sim, chorei como se chora uma criança que se perde da mãe, é essa a sensação, crianças longe dos pais, sem um colo, sem um abraço.
Aqui têm tantas vozes desencontradas cruzando as linhas telefônicas numa eloquente e voraz forma de se manifestar em forma de orações, xingamentos, palavras de carinho, palavras de ódio. Assim como os olhos comuns não enxergam essas pessoas, os ouvidos comuns também não as ouvem, são os absurdos no meio de explicações para nenhum ouvido particular e, as altas patentes escovando as dificuldades das distâncias entre os lamentos dessas criaturas miseráveis, esfarrapadas que perambulam na altura da traição, sim foram traídas por uma civilização clandestina.
E, sem esperança, sem perspectiva, deixam de perceber a luz oculta na tonalidade das vozes, de bocas desdentadas que estão sempre por baixo das esmolas, esmolas que não são dadas para acabar com o sofrimento, essas esmolas são dadas para calar a boca enegrecida, interromper os gritos de socorro desses corpos desnutridos e desvairados procurando preencher a lacuna deixada pela angústia de sobreviver no mesmo compasso de todos os outros corpos e que servirão de provas em um possível julgamento.
_Ouvi dizer que os nascimentos são difíceis, demorados, assim como são demoradas algumas mortes. Algumas vezes o tempo de nascer é tão complicado que alguns não conseguem completar o processo, desistem de nascer, conheci alguns que desistiram. O processo é louco e é estranho, quem é que toma conta da gente nesse instante e quantos seres estão ligados pelo cordão umbilical ratificando o processo!
Aquele acontecimento foi ridículo e ainda mais admirável pelo contorcionismo apresentado pelos participantes do show.
_Estranho sim, todos fugiremos desse estranho sistema interligando dois planos! Nascer nesse grupo é complexo, cheio de detalhes, espera-se um tempão para conseguir ver quem tomará conta da gente e é difícil de explicar a complexidade do espetáculo porque o show é composto por diversos seres. É dependente, indiferente da vontade, nem olhei a cor dos olhos deles, assim me veio a vontade de sair e nem isso pude fazer sozinha, não consegui. Somos diferentes de todas as outras criaturas desse mundão, vou contar aqui, que a água que bebi até chegar aqui se modificou em decorrência das ocasiões, é uma água diferente com um saber amargo! Até mesmo para nascer precisamos de ajuda, para se fazer visível na sala das sinceridades temos que tomar cuidado com o que falamos. Meu Deus, como é incrível a melodia das vozes na torcida por outra chegada com sucesso.
Nada semelhante acontecera nessa pequena existência e nem tinha escutado algo que expressasse como aquilo que se desenvolvia na mente daqueles seres e enquanto os carros gritavam sobre a velha ponte que também gemia ao ser pressionada, as dores de ser impotente fazem as imagens de quem desistiu aflorar! Você tem medo de que?
Há muitas vozes sendo atropeladas nas esquinas das grandes cidades, são enterradas em covas rasas, ninguém reconhece a autoria das frases de efeito.
_Eu, eu sabia que haveria alguém me esperando quando eu chegasse à nova terra, só não esperava que tivesse esse tanto de gente e que o local seria assim…, uma terra de promessas, de aprendizados e dentro da música, veio junto uma mensagem de conforto.
Esses seres brandos, amorosos que cedem parte do corpo para o desenvolvimento de outra criatura é a casa, é o porto seguro de todos que resolvem mudar de plano, de certo modo, todos estão perdidos no tempo.
_Bom! Deve ser assim mesmo, seja lá de que forma for, estou assim…, pronto para retrucar um processo!
Nunca vi o nascer de nada e nem o nascer de tudo, não convém acender velas nesse lugar úmido e quente! Então, nascer é isso mesmo, uma dose de alegria por saber da mudança, uma dose de tristeza por não saber como será a recepção no outro plano! Tudo muda, como muda o mundo a cada giro da bela bailarina na ponta dos pés a se exibir na faixa de pedestre para ganhar um trocado sinto as mudanças nos sentimentos de quem me alimenta, e, invisível como são as freiras mudas gesticulando seus sons e conseguem mudar as vozes do mundo, vozes que se solta em gritos feito foguetes no céu de fim de ano, tento alertá-la sobre como é perigoso armazenar sentimentos ruins. Tipo festa mesmo, remexo dentro do pequeno espaço, é assim! Tudo que reconheço são minhas mãos frias, tocando na camada elástica a fim de causar um reconhecimento, o que sinto é e a voz dela, cansada, é muito esforço! Quando compreendi, já estava incluído nos mecanismos do acesso, me restava ficar acordada a observar o crescimento das partes, algo difícil, quase impossível, não há manual para isso! Acho que deve ser da mesma forma para tudo e para todos no contorno das dores delas, provavelmente não diminuirá o silêncio do mundo que envolve a todos no mesmo momento do nascimento.
Prontamente vieram desfilando reis sem reinos, deuses desenganados e os verdadeiros mendigos em uma trajetória própria de descobertas no princípio da criação do enredo, quem sabe esse ano a escola saia da avenida como campeã. Nenhuma companhia de teatro com seus fantoches aborda esses temas em seus palcos elitistas, e definem aleatoriamente as horas estranhas que concorrem com os melhores carros alegóricos na avenida.
No entanto, os sons únicos do nascer promovem o ritmo da bateria apertada no recuo, é diferente o compasso dos instrumentos e o repique acelera deixando o tamborim perdido na melodia e a passista cheia de charme senta-se no meio-fio sem ter uma cama para gerar sua arte. Destaque da maior escola, com um estilo singular deixa quebrar o ritmo fazendo a escola se perder e para poder ampará-la nenhuma passista foi voluntária em sua chegada, triunfal, a torcida canta mais alto que o puxador do samba, estimulando o destaque com outros tons no enredo. Nem as luzes do festivo sambódromo e nem os fogos de artifícios lançados em um céu sem estrelas comemoraram a nota final, teve um avaliador que deu nota dez. As flores que a passista ganhou como lembrança pelo belo desfile no começo da festança consegue ficar nas mãos da velha parteira como prêmio de consolação. Ninguém percebeu essa entrada, acobertada pelo mistério.
O grito de felicidade ecoou acordando os moradores das ruas próximas, algo sem igual, ela conseguiu se levantar e terminar o desfile apoiada na vontade de ver a escola sair campeã e nos minutos seguintes recebeu aplauso da multidão que assistia eufórica ao show.
_Recordo-me de meus afazeres e naquele banquete exótico apenas um par de peito para sugar e o grito não incomoda mais!
O nascer, tanto quanto o morrer, não incomoda a mais ninguém nessa terra estranha. Por cortesia ou por estimação veio somente um rosto desbotado, franzido pelos anos, pelas amarguras, oferece um sorriso banguela, amarelado e afetuoso, apesar das circunstâncias. Esses sorrisos é o que ampara nesses períodos singulares e é o sorriso de uma estranha boca ou um sorriso estranho só, um sorriso vindo de um corpo surrado em fase final, chegando na dispersão, ela, abre espaço na multidão sem se esforçar, para o começar outra biografia, individual, é assim quase todos os dias e todos sabem que é assim. Os finos e raros cabelos brancos recobrem a pele manchada e machucada em um rosto desbotado, cheio de pequenas feridas desmentindo as diversas histórias, nas latas de lixos não tem mais protetor solar. As mãos firmes, pequenas, finas e calejadas, compõem a amarração com a pele enrugada e rachada na direção da melodia, envolvem qualidades nos dedos finos e longos completados por unhas sujas, amareladas, frágeis estendendo o jornal que apresenta anúncios velhos para envolver o pequeno sopro que repercute no intenso processo de nascer.
Todos passam ao lado dela curiosos com a cena, uma menina que não tem o cheiro das ruas acomodada ali, feito um bicho…, a parteira sorridente se apresenta como sendo uma pequena parcela na evolução.
_O que sinto, é o que me lembro das distorcidas e esparsas sensações transmitidas por ela.
Ecoou rebatendo nas paredes um novo grito de esperança perfurando feito agulhas as gotas de lágrimas das criaturas ali presentes, algumas acocoradas feito os bichos no mato assistem pela primeira vez o começo do nascer e assustadas com a simplicidade da parteira reiteram a necessidade de um pequeno milagre. O grito diferente recorta com a voracidade da navalha a desconfiança dos bichos curiosos e vaza rua afora até alcançar o alto da ponte e lá se perde no meio dos rugidos dos carros indiscretos.
_Força, em breve tudo estará acabado.
Pela intensidade dos gritos, percebe-se que as dores aumentam rapidamente.
Não quero deixá-la com outra música, quando ainda caminhando sem rumo.
Por vezes, dores agudas, desreguladas, perfuram a confiança como se fossem finos espinhos recortando a carne faz endo o corpo retorcer completamente.
_Sua aflição também me pertence, ainda sou parte dela e vice-versa, o cordão umbilical está intacto, simultaneamente sinto o que ela sente, sofro tanto quanto ela sofre, pois, não posso fazer nada, a não ser vez por outra chutar-lhe quando sinto sua dor, no entrelaçado organismo, envolvido por fio de sentimento, acontece algumas vezes e ninguém percebe que recito alguns mantras para organizar suas energias a fim de acalmá-la, mas, é difícil estar sozinha dentro de outro corpo. Ela raramente me escuta! Não é culpa dela. Tudo isso vai acabar em breve!
Ligados por um cordão que alimenta, que transmite as sensações e sentimentos, que transmite a vida causando a aderência da matéria e a etérea matéria por ocasião do mundo externo.
É tempo de reagir…
_O procedimento depende mais de você do que de qualquer outra pessoa. Estou aqui para te guiar, mantenha a calma e respire fundo, lentamente. Encha o peito de ar e solte o ar devagar, está entendendo o que te falo, muito bom, logo acabará. A doçura na voz estranha, cativante, não me recordo de ter ouvido essa voz!
Tentando não pensar no sofrimento que aquele corpo está sendo submetido, chega a pensar que os planos não iriam dar certo.